sexta-feira, 26 de junho de 2009

Franklin Mollinari

Essa é a última área de restinga de Salvador"





Em vias de implantação pela Secretaria do Meio Ambiente, o Programa de Recuperação de Áreas Degradadas vai revitalizar as áreas identificadas como degradadas dentro dos limites do Parque Metropolitano Lagoas e Dunas do Abaeté. A iniciativa deve contribuir para a preservação da última área de restinga da cidade, além de garantir uma melhor qualidade de vida para os moradores do entorno do parque.


Nesta entrevista, o biólogo Franklin Mollinari (SFC) fala sobre a expectativa para a execução do programa e da sua importância para o equilíbrio do meio ambiente. Franklin foi nomeado em 2008 pela Sema como gestor da APA Lagoas e Dunas do Abaeté, uma área de preservação ambiental de uso sustentável de 1800 hectares, totalmente inserida no município de Salvador.

Intranet - Como surgiu a idéia do Programa de Recuperação de Áreas Degradadas do Parque do Abaeté?
Franklin - O programa era uma demanda necessária no Abaeté, onde identificamos áreas degradadas pela ação do homem. Um local muito próximo da lagoa, por exemplo, estava sendo utilizado para a prática do ‘baba’. Isso estava impactando a preservação da lagoa, a mata ciliar estava comprometida e já havia um assoreamento no local. A partir daí surgiu a idéia de criar um programa de recuperação de áreas degradadas, inicialmente no parque e hoje estendido a toda a APA. O próximo passo foi fazer um levantamento das espécies da região, porque a proposta é fazer uma recuperação dessas áreas com vegetação nativa, para não conflitar com o que está disposto para área de preservação.

I - E como foi esse levantamento? Quais as espécies nativas do Abaeté?
F - Nós fizemos seis meses de pesquisa, especificamente para a área do campo do ‘baba’. Levantamos as espécies originárias e adequadas para o local, que são na sua maioria arbóreas de restinga. Fizemos coleta de sementes, executamos o despertar de dormência, cultivamos e acompanhamos o seu desenvolvimento. Um ano depois já começamos a levar esse material para a proximidade da lagoa, com o objetivo de fazer a recuperação da mata ciliar e também melhorar o ambiente do parque.

Na reforma do Abaeté em 1993, colocaram no local espécies arbóreas que não são da área de restinga e divergem do objetivo da preservação. Então, aos poucos, nós estamos também revitalizando e refazendo o paisagismo do parque, que contribui para o sombreamento da região. O sombreamento da área da lagoa, por exemplo, vai permitir a diminuição da temperatura da areia, que conseqüentemente vai influenciar na diminuição da evaporação, mantendo por maior tempo a quantidade de água na lagoa.

I - Qual a participação da Sema nesse programa?
F - A Secretaria do Meio Ambiente tem colaborado com o conhecimento e com as parcerias necessárias. O Abaeté é uma área muito vasta, que exige muito estudo e um único profissional, biólogo ou geólogo, não seria suficiente pra dar cabo do trabalho necessário para essa situação. Estamos hoje com dois projetos aprovados, já em vias de implantação, - o Núcleo de Ciências Naturais e o Horto de Restinga - que serão realizados através do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). A partir daí teremos toda a infra-estrutura de equipamentos e pessoal para atender a demanda. Essa parte será viabilizada através da Sema, em parceria com o Governo Federal.

I - Vocês já têm um prazo de quando isso será implantado?
F - Segundo a CONDER, toda a parte de licitação já foi feita, o projeto já está aprovado, os recursos já estão liberados, estamos aguardando apenas a ordem de serviço. Na última audiência pública que houve na Assembléia Legislativa, se não me engano no dia 28 de maio, fomos informados que agora no final do mês de junho as obras de reforma do parque estariam começando e seria implantado o Núcleo de Ciências Naturais. Essa informação carece de uma confirmação, mas minha expectativa é que seja logo.

I - Qual a importância da recuperação dessas áreas?
F - A APA do Abaeté está totalmente inserida no município de Salvador e essa é a última área de restinga da cidade. A restinga faz parte do bioma da Mata Atlântica, mas o sistema de raízes da arbórea de restinga é maior do que as arbóreas que encontramos no interior do continente. Uma estratégia que elas adotaram para captar água mais rapidamente. Isso porque o solo de restinga é oriundo de dunas, que são areias, um substrato de baixo nutriente e permeabilização muito alta. Como a água escoa muito rápido, a raiz da arbórea vai mais profundamente à busca desse líquido, o que torna esse tipo de vegetação especialíssima. Além disso, a insolação é muito alta nesta área e ela sofre influência direta do sal do mar. A vegetação tem que se adaptar a tudo isso para viver no local.

Então, a principal importância da recuperação dessa área é garantir a qualidade de vida para os seres vivos, inclusive o ser humano. Não podemos ter qualidade de vida dissociada de um ambiente equilibrado e harmônico. Salvador é a terceira maior capital do país em população e está em processo muito acelerado de degradação ambiental. Hoje, o ambiente natural está sendo suprimido em detrimento da ocupação humana, sem que haja uma estratégia de uso sustentável dos recursos naturais.

I - Como as comunidades ao entorno do Abaeté serão beneficiadas com esse projeto?
F - Este não pode ser um processo isolado para beneficiar apenas a comunidade local, todo o planeta vai ser beneficiado. Mas, imediatamente, vamos ter a melhoria da qualidade da climatização do local, por exemplo. A vegetação é como um ar condicionado natural. Se você quiser refrescar sua casa, você vai ter que comprar o aparelho e pagar energia. A natureza fornece isso de graça, só o que devemos fazer é conservar. Agora comunidade local precisa melhorar seu conhecimento em relação ao ambiente. Hoje, é comum você encontrar jovens de até 25 anos que não têm noção da importância daquele local, das suas histórias, das espécies nativas. No Abaeté temos, por exemplo, um grande potencial de frutíferas – marmelo, massapão, cambuí, mangaba -, que na sua maioria está fora da mesa do baiano. Tudo isso ainda é muito desconhecido, o que é lamentável.

I – Existe algum trabalho de conscientização junto à comunidade do entorno do parque?
F – Essa pergunta é interessante porque na prática já aconteceu um trabalho de conscientização junto aos praticantes do ‘baba’. Como representante da Sema, eu estabeleci um diálogo com o grupo e, depois de três meses negociando, eles perceberam o mal que estavam causando e decidiram por iniciativa própria parar de jogar no local. Não foi fácil, porque era um jogo que já acontecia há mais de 25 anos, mas agora a cobrança se inverteu. Eles me procuram para saber de que forma podem contribuir para a melhoria do ambiente.

No programa de recuperação das áreas degradadas, está previsto capacitar os jovens da comunidade para reconhecer a vegetação de restinga, fazer a coleta de sementes, plantar e cuidar dessa mudas. Então, eu estou ansioso para o projeto acontecer porque vai ampliar nossa capacidade de ação. O projeto vai permitir preparar 100, 200 ou 300 jovens para se inserir no processo do meio ambiente, ao invés de trabalhar com um grupo de 5 ou 6 ações pontuais. Nós temos 36 meses, que é o tempo previsto do projeto, para deixar um grupo formado. A expectativa é procurar parcerias com a iniciativa privada, que venham a dar sustentabilidade ao projeto. Mas aí é um passo de cada vez.


I – E de que forma nós podemos contribuir para a preservação dessas áreas?

F - Antes de tudo é importante conhecer ou não fazemos nada direito. Hoje, parte da flora da área da lagoa do Abaeté praticamente se extinguiu e isso mudou até a coloração da água. Segundo o professor Eduardo Mentes, antigamente, devido à queda de folhas na lagoa, que fazia com que ela liberasse um ácido, a coloração da água do Abaeté era amarronzada. Atualmente, a lagoa está verde por conta da diminuição da mata ciliar e da proliferação de microalgas no local. Tudo isso causado pelo desequilíbrio. Então, sem esse conhecimento fica difícil ajudar a preservar. A boa vontade tem que estar alinhada com a pesquisa, com compreender os conceitos.

Não podemos cobrar da sociedade uma mudança de comportamento em relação ao meio ambiente se ela não vier através da educação. Eu não me sinto à vontade para cobrar da comunidade local, porque sei que eles não têm acesso a essa informação. É preciso divulgar a importância desse assunto nas escolas e no campo, discutir e debater mais a temática ambiental. Eu não sou contra o desenvolvimento, acho até que é necessário, o que não podemos fazer é um desenvolvimento a qualquer custo, sacrificando a qualidade de vida das pessoas. A prioridade é garantir a vida dos seres vivos no planeta Terra, senão as gerações futuras vão pagar esse preço.

Por Maiana Chamusca

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