Prezados,
Agradeço pelas opiniões, sugestões e críticas que tenho recebido de todos os que se manifestaram por meio do abaixo-assinado da ONG Greenpeace.
Muitas pessoas, em suas respostas, referiram-se aos temas Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP).
A Comissão Especial do Código Florestal ouviu 378 pessoas, entre representantes de ONGs, universidades, órgãos ambientais e agricultores, em 18 Estados da federação. Do inventário de problemas, foram exatamente a RL e a APP que se destacaram pela intensidade com que foram abordadas.
Como relator da Comissão, apresentarei nesta mensagem as visões e as possíveis soluções em torno dos dois temas.
A RL é, coincidentemente, o instituto mais antigo do Direito Ambiental brasileiro. Data de antes da Independência do Brasil, quando foi proposto pelo patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva. Trata-se da área da propriedade rural que não pode ser utilizada para a agricultura ou pecuária, devendo permanecer intocada.
Bonifácio propôs a RL como forma de dispor de madeira acessível para a construção naval, civil e fonte de energia. Naquele período, as propriedades chamadas sesmarias eram medidas em léguas, muito diferente da atual estrutura fundiária do País. A RL também é ocorrência única no Direito Ambiental, vez que não consta de nenhuma legislação europeia, nem da norte-americana, o que dificulta qualquer tentativa de direito comparado.
A RL no Brasil foi definida no Código de 1965 na proporção de 20% para a Mata Atlântica e para o Cerrado e 50% para a Amazônia. Depois, no caso da Amazônia, a área de RL foi ampliada para 80%.
Acontece que, por políticas do próprio governo, essas áreas de RL nunca foram respeitadas. Há casos de recusa de financiamento público para proprietários que não ocuparam toda a sua propriedade. Na Amazônia Legal, onde se misturam biomas diversos, áreas que tinham autorização para 20% de RL de repente passaram para o regime de 80%.
Acrescente-se que, em alguns casos, a atividade econômica torna-se absolutamente inviável em apenas 20% da área total adquirida pelo proprietário, ou seja, para utilizar 200 hectares, são necessários 1 mil.
As alterações na legislação e a exigência da recuperação de áreas já ocupadas em pequenas propriedades trouxeram consequências sociais de tal gravidade que obrigaram o governo, por Decreto, a adiar a entrada em vigor de alguns dispositivos legais.
Entre essas consequências, figuram o risco da reconcentração da propriedade da terra pela inviabilização econômica dos pequenos e médios agricultores e o risco de desnacionalização da terra no Brasil, uma vez que os custos ambientais tornam-se insustentáveis para os agricultores locais mas viáveis para investidores de outros países.
O Brasil possui 5,2 milhões de propriedades, das quais 3,8 milhões de até quatro módulos fiscais, que são consideradas pequenas. As grandes respondem por uma produção pautada principalmente para a exportação, e as médias variam de acordo com cada região do País.
As propostas de solução para o impasse apresentam diferenças importantes.
O professor Sebastião Renato Valverde, da Universidade Federal de Viçosa, simplesmente defende o fim da RL, o que não corresponde ao meu ponto de vista. Estou disposto a manter a RL no meu relatório, adaptando-a à realidade econômica e social do campo brasileiro. Creio, entretanto, importante que vocês conheçam a opinião do professor da UFV (quem se interessar, pode solicitar artigos do professor para meu gabinete).
Há ainda quem defenda que as pequenas propriedades sejam isentadas da obrigação de RL, permanecendo apenas a exigência da APP para a proteção do solo e dos recursos hídricos.
Outros advogam que a RL seja transferida da referência da propriedade para o bioma e a bacia hidrográfica. Os rios de primeira geração (aqueles que desaguam no oceano), seus afuentes (segunda geração) e o afluente do afluente (terceira geração) teriam, além da APP, a RL anexa.
Os técnicos e cientistas que defendem essa posição o fazem a partir da convicção que, próxima dos rios, as RL’s cumpririam a função de corredor ecológico, sustentando a reprodução da fauna, mesmo na cadeia alimentar necessária para os mamíferos superiores. Além disso, protegeriam a flora em escala mais eficaz do que pequenas RL’s distribuídas por propriedades.
Outros afirmam que a unidade a ser protegida por RL deve ser o bioma, pouco importando se 80% da Amazônia está preservada em propriedades, parques nacionais, unidades de conservação, RL’s coletivas e assim por diante.
Como se vê, é possível encontrar soluções criativas e adequadas para proteger a natureza e os produtores brasileiros de alimentos para o mercado interno e para exportação.
A APP, como já disse na carta anterior, está voltada para defender a fragilidade do solo e da água, embora seja insuficiente para alcançar esses objetivos sozinha. Vi casos de represas cercadas de uma bela e verde APP, mas cuja água recebe o esgoto de centenas de milhares de pessoas. Essa APP não conseguiu proteger a água.
Pesquisadores da Embrapa questionam duramente a ideia da mata ciliar, aquela que protege as margens dos rios, riachos e lagoas, ter o parâmetro único da medida em metros. Eles opinam que a largura da APP deve considerar a natureza do terreno da margem do rio e do solo que a constitui. Quanto maior o declive do terreno, maior deve ser a mata ciliar, argumentam. Da mesma forma, quanto mais frágil o solo (tipo arenoso), também maior deve ser a proteção. Em sentido inverso, sustentam que em terreno plano e de solo consistente (argiloso) a APP pode ser proporcionalmente reduzida. Aconselho que as medidas para a mata ciliar derivem de estudos técnicos em boa parte disponíveis, e não de uma proposta aleatória, sem referência na realidade.
Disponho da exposição do pesquisador Gustavo Ribas Cursio, que trata do assunto e que vocês também podem solicitar.
Atenciosamente,
Aldo Rebelo
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