Em Capela, a 82 quilômetros de Aracaju (SE), parte de uma das últimas reservas de Mata Atlântica do estado de Sergipe começa a ser recuperada pelas mãos de agricultores assentados. Devastada pelo plantio de cana-de-açúcar promovido no passado por uma grande empresa instalada na região, a área de 213 hectares que integra o projeto de assentamento José Emídio dos Santos e compõe a Unidade de Refúgio da Vida Silvestre da Mata do Junco, é o centro de um trabalho inédito, que alia reforma agrária e recuperação ambiental.
viveiro2-equipejovensFinanciado por meio de um convênio firmado pelo Incra/SE, o projeto, elaborado e desenvolvido pela organização não-governamental (ONG) Instituto Bioterra, prevê a recomposição da mata degradada no local a partir do plantio planejado de árvores. São milhares de mudas de espécies como tamboril, ipê amarelo, jenipapeiro e aroeira, entre outras, que desde o mês de março vêm sendo plantadas em ritmo acelerado pelos agricultores que abraçaram o projeto.
"Existe um bom envolvimento dos assentados. Eles montaram uma escala e fazem um revezamento para o plantio das mudas, que é feito três vezes por semana. Temos sempre uma equipe diferente para ajudar no trabalho", explicou a bióloga Karla Fernanda Barbosa Barreto, uma das dirigentes do Instituto Bioterra, responsável pelo acompanhamento do projeto no assentamento.
Segundo ela, aliadas à recuperação da área degradada, as ações do projeto têm também como alvo a proteção das nascentes de água que cortam a região. "O projeto prioriza o trabalho em área de proteção permanente e pretende também recuperar a mata ciliar, ajudando a preservar as nascentes que passam pelo assentamento", comentou Karla.
Conscientização ambiental
Considerado como a última etapa do projeto, o plantio de mudas é apenas parte de um longo trabalho de conscientização ambiental promovido no assentamento. "O projeto vai somente até junho e nós queremos que, depois, os próprios assentados continuem com as ações de preservação", afirmou a Karla.
Para isso, foi desenvolvido na primeira etapa do projeto, iniciada em janeiro de 2009, um amplo trabalho de educação ambiental para crianças, jovens e adultos assentados. "Nós fizemos palestras e cursos para todas as idades. Os adultos tiveram um curso de manejo de sabiá, para evitar o desmatamento da área. Os mais jovens participaram da montagem e hoje são responsáveis pela manutenção de um viveiro de mudas, e as crianças tiveram uma oficina de brinquedos e aprenderam sobre reciclagem", contou a engenheira florestal da ong, Daniela de Almeida Menezes, que integra as ações do projeto.
Em pouco tempo, os cursos e palestras ministrados no local já começam a modificar de maneira decisiva a relação entre os agricultores e a área de preservação do assentamento. "Já existem pessoas que comentam que vão comprar sementes de sabiá para plantar mais e usar no futuro, para não precisar cortar mais nenhuma árvore", contou Karla.
A participação dos jovens
Iniciada em novembro do último ano, a montagem do viveiro de mudas do projeto foi a chave para a integração de jovens assentados às ações de recuperação ambiental. Instalado na agrovila Santo Antônio, o viveiro, que reúne cerca de 30 diferentes espécies, recebe os cuidados diários de uma equipe composta quase exclusivamente por jovens e adolescentes.
"A gente sabe o quanto esse viveiro é importante. Nós cuidamos bem dele, porque ele é quem abastece o projeto de recuperação da mata. Ele vai nos ajudar a deixar o assentamento totalmente regularizado nessa parte ambiental", analisou o assentado Osvaldo Cardoso Santos Neto, o "Neto", um dos responsáveis pelos cuidados com o viveiro.
Para manter a rotatividade do plantio e a continuidade do projeto, equipes de agricultores se revezam diariamente, assegurando o desenvolvimento e a manutenção das mudas. "A gente se dividiu em turnos. Tem sempre duas ou três pessoas cuidando do viveiro até mesmo nos finais de semana. Enquanto um grupo vai para a mata para coletar as sementes, o outro já vai preparando o substrato para montar novas mudas e regando as que já estão prontas", explicou Neto.
Segundo ele, um trabalho que irá perdurar, garantindo a recuperação e preservação da mata e gerando renda para as famílias assentadas. "Se nós não estivéssemos aqui, a mata teria sido toda destruída pela cana. Nós vamos recuperar o que foi degradado e, depois, tentaremos o reconhecimento do Ministério da Agricultura, para podermos produzir mais mudas e vendê-las, gerando renda para o assentamento", afirmou Neto.
De acordo com a bióloga Karla Fernanda Barbosa Barreto, os primeiros resultados do trabalho de reflorestamento poderão ser vistos em apenas um ano; e em cerca de cinco anos, toda a paisagem da área degradada deverá estar modificada.
Além das 280 famílias do projeto José Emídio dos Santos, o convênio entre Incra e Instituto Bioterra integra também ações de recuperação ambiental que envolvem outras 160 famílias dos assentamentos Dorcelina Folador e Padre Josimo Tavares, em Itaporanga D´Ajuda, e Oito de Março, em São Cristóvão.
A Mata do Junco
Com 80% dos seus 894 hectares inseridos em uma área reforma agrária, a Unidade de Refúgio da Vida Silvestre da Mata do Junco é considerada uma das reservas de maior riqueza natural de Sergipe.
Além da sua importância ambiental, o local, transformado em Unidade de Preservação em 2008, tem também importância estratégica para o município de Capela, por abrigar as nascentes do Riacho Lagartixo, principal fonte de abastecimento da população da cidade.
Outro importante papel da mata é assegurar as condições ideais para a sobrevivência do macaco Guigó, espécie ameaçada de extinção, que fez do local o seu habitat.
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